segunda-feira, 29 de junho de 2009

Vale a pena conferir

A RELAÇÃO LETRAMENTO E GÊNEROS TEXTUAIS NA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Síntia Lúcia Faé Ebert (Uniritter)

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Alfabetização e letramento: dois conceitos que se completam

As discussões que deram origem ao termo letramento surgiram devido à constatação de que, nas sociedades grafocêntricas, em que o sujeito convive constantemente com a escrita, saber ler e escrever não basta. É preciso também saber fazer uso da escrita e da leitura respondendo às exigências impostas pela sociedade. O letramento é um processo cujo início antecede ao da alfabetização, pois, apesar de, geralmente, iniciar formalmente na escola, começa muito antes, através do convívio com a escrita.
O processo de alfabetização, como a ação de ensinar a ler e escrever, muitas vezes restringe o aprendizado da leitura e da escrita à decodificação de símbolos. No entanto, “como processo que é, [...] o que caracteriza a alfabetização é a sua incompletude” (TFOUNI, 2006, p.15). A alfabetização não é algo que acaba, é um processo que acontece ao longo da vida do sujeito, nunca alcançado por completo, e que, mesmo diferenciando-se do letramento, tem igual importância na formação moral e social desse sujeito Para poder determinar se um indivíduo é alfabetizado, faz-se necessário verificar o contexto no qual ele está inserido, pois, para muitas comunidades, estar alfabetizado pode significar saber escrever o nome; para outras, exigem-se habilidades e requisitos mais complexos.

O letramento é um fenômeno de cunho social, que destaca características sóciohistóricas que adquire um sujeito ou grupo social ao dominar a escrita. O termo designa o processo não apenas de ensinar a ler e escrever, codificação e decodificação de símbolos, mas o domínio de habilidades relativas às práticas diárias de leitura e escrita. De acordo com Soares (2006, p. 72), o letramento é [...] o que as pessoas fazem com as habilidades de leitura e de escrita, em um contexto específico, e como essas habilidades se relacionam com as necessidades, valores e práticas sociais. Em outras palavras, letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita, em que os indivíduos se desenvolvem em seu contexto social.
Alfabetização e letramento referem-se, então, a processos diferentes, sendo que um sujeito alfabetizado não é necessariamente um sujeito letrado e vice-versa. Mesmo não possuindo conhecimento alfabético, um aluno é capaz de identificar e reconhecer a função da escrita na sociedade. Isso corresponde a um determinado nível de letramento. Assim, é possível dizer que letramento é um “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita” (SOARES, 2006, p. 47).
E ainda que “o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 2006, p. 20). O que Soares (2006) e Tfouni (2006) expressam é que letramento significa muito mais do que saber ler e escrever. É um processo com dimensão social, um conjunto de práticas sociais referentes à leitura e à escrita. Letrar, nesta perspectiva, é ensinar a leitura e a escrita dentro de um contexto em que essas práticas tenham sentido e façam parte da vida, do cotidiano, da práxis diária, da vida em sociedade.

Letrar é colocar o sujeito no mundo letrado, trabalhando com os distintos usos de escrita. E esse fenômeno inicia muito antes da alfabetização, quando o sujeito interage socialmente com as práticas de letramento, como lidar com troco, contar histórias, cantar músicas, identificar símbolos comerciais, reconhecer gravuras, etc.
No trabalho de sala de aula, o professor letrador investiga as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno para adequar as aulas ao nível de letramento de seus educandos. Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), a escolha do gênero textual é critério fundamental, já que se trata de uma modalidade de ensino especial, em que, mesmo que o aluno não esteja alfabetizado, ou possua nível baixo de alfabetização, possui algum nível de letramento, advindo de sua vida em sociedade. O uso de textos considerados não-escolares, diretamente ligados ao contexto dos alunos, pode proporcionar maior motivação na aprendizagem da leitura e da escrita, devido ao reconhecimento de dado gênero.
Ao ingressar na escola, esses alunos não são depósitos vazios; carregam conhecimentos, habilidades e experiências de vida resultantes da convivência em sociedade, conforme exemplo citado por Tfouni (2006, p. 50):

Dona Madalena e suas estórias Madalena de Paula Marques é uma mulher negra, analfabeta e pobre (obviamente), de terceira idade [...] reside em bairro de classe baixa. [...] é viúva, tem filhos e netos, muitos dos quais dividem com ela a pequena casa onde mora. Ela freqüentou a escola durante um curto período de tempo. Sabe contar objetos, conhece os numerais mais simples, não sabe ler e escrever, sequer sabia assinar o nome quando a conheci. [...] É uma pessoa extremamente comunicativa, afável, hospitaleira e descontraída. Conversa com todos de maneira desembaraçada [...] organiza as atividades domésticas [...] funciona como porta-voz e até mesmo como “advogada” dos habitantes do bairro. Outra característica que faz desta mulher uma pessoa especial é seu conhecimento de medicina popular [...] ainda canta músicas, modinhas e cantigas populares anônimas e conhece jogos e brincadeiras infantis.
[...] a característica mais importante é o fato de ela ser uma contadora de história, não no sentido de relato autobiográfico, como é comum ocorrer na idade dela, mas no sentido de narrativas de ficção.


O que Tfouni (2006) demonstra é que mesmo sendo analfabeta, Dona Madalena, apresenta um determinado nível de letramento, pois, em seus atos e, principalmente, em suas narrativas orais, estão presentes práticas de letramento. O que sugere que o sujeito pode ser analfabeto e letrado ou vice-versa. Dona Madalena, por suas características, é personagem comum nas escolas de EJA: mulher, negra, analfabeta e pobre, um ser humano convivendo em uma sociedade letrada, na busca da aquisição do código escrito, principalmente para incluir-se na sociedade, tentando fazer diminuir o preconceito e o fardo que pesam sobre a população analfabeta ou pouco alfabetizada.

[...]

Fonte: http://www4.fapa.com.br/cadernosfapa/artigos/edicaoSPforum07/artigo2.pdf

Edvânea Maria

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